Folia de Reis

5. Folias de Reis

A Folia de Reis, derivada dos festejos realizados às vésperas e no Dia dos Reis Magos, surgiu na Espanha, no início do século XIII e de lá foi para Portugal. Foram os portugueses que, no século XIX, a trouxeram para o Brasil. Enquanto na Europa as folias tinham a finalidade de divertir a população, aqui elas ganharam o caráter religioso, tornando-se uma das principais peças do nosso folclore.

Na Europa, o antigo calendário fixou a celebração do Natal em  6 de janeiro e, posteriormente, em 25 de dezembro. No entanto, a antiga data preservou a sua importância e foi tradicionalmente ocupada pelos festejos do Dia dos Reis, evocando a visita que os reis magos fizeram ao Menino Jesus, encontrado sob a indicação da  estrela que brilhava, anunciando o nascimento de um Rei.

Narra o texto bíblico que naquela ocasião, depois da longa procura pelo Menino, os viajantes do oriente o encontraram com a sua mãe. Diante Dele, em adoração, abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra. Conta a tradição que três reis e magos vieram do oriente longínquo, seguindo a estrela que anunciava o nascimento.

5.1. Folia de Reis de São Fidélis

A instalação das Folias de Reis no município de São Fidélis se deu no contexto da zona rural nos séculos passados, cujas divisas do município com a região do estado de  Minas Gerais, por exemplo, favoreceu para  isso, inclusive o ritmo  das  folias, segundo  o mestre  da  Folia  Estrela  da Guia de São Fidélis, Ademilson Filho, o ritmo das folias existentes, até hoje, é o ritmo mineiro.

Em Alberto Ribeiro Lamego (“O Homem e o Brejo”), consta que em 1631, foram implantados, pelos Sete Capitães, currais de gado na baixada campista, ao norte da lagoa Feia, atingindo na mesma época o cabo de São Tomé, iniciando o primeiro ciclo econômico, o do pastoreio.

Em 1650, a cultura da cana de  açúcar deu partida ao ciclo  do açúcar  com a construção, em  Campos  dos  Goytacazes, de um engenho que intensificou o surgimento de novas engenhocas para a produção de aguardente e de açúcar.
Na metade  do século XVII, a produção de cana ainda era uma atividade secundária em relação ao pastoreio. No final do século, porém, a lavoura açucareira era caracterizada por grandes latifúndios  e por uma poderosa aristocracia  rural, baseada no uso intensivo da mão-de-obra  escrava,sendo a grande  geradora de riqueza do Estado. Com a baixa do comércio de escravos  e do e do preço do açúcar no mercado europeu, se iniciou o ciclo do ouro e do diamante em Minas Gerais, perdurando de 1700 a 1800, gerando um grande impacto no território fluminense. O Estado do Rio de janeiro passou a ser o escoadouro de ouro, desenvolvendo o comeŕcio e propiciando o surgimento de rotas de ligação com as Minas Gerais.

No final do século XVIII, o estado do Rio de janeiro estava transversalmente todo cortado por caminhos e provido de portos e pontos de passagem que, inicialmente eram feitorias e pousos que se transformaram em aldeias, arraiais e vilas, entre as quais a cidade de São Fidélis, que pertencia á Capitania de São Tomé.
Com a exaustão do garimpo na segunda metade  do século XVIII, a economia brasileira voltou novamente a depender de exportações agrícolas. O plantio do café introduzido no Estado, por volta de 1830, modificou a economia  fluminense, bem como de todo o Império ao longo do século XIX.

A repercussão da prosperidade econômica no processo ocupação foi enorme, de modo que contribuiu para o surgimento de núcleos urbanos e agrícolas. É exatamente neste cenário que surgem as manifestações das Folias de Reis, percorrendo pelos caminhos do ouro das Minas Gerais e se estabelecendo na região norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro, sempre com o mesmo objetivo religioso – o da anunciação do nascimento do Menino Jesus.

5.2. Registro Histórico

Além das folias, na cidade de São Fidélis já existiram outras manifestações culturais como o “Caxambu” (dança cultural de origem africana) ou o próprio jongo, mas que neste ano de 2007 não existe mais, bem como o Boi Pintadinho e o Mineiro Pau, atividade esta que volta a ser desenvolvido por grupos folclóricos da região.

5.2.1. Folias Urbanas

A festa da Folia de Reis, assim como diversos elementos da cultura popular e suas manifestações folclóricas vêm sofrendo modificações  em virtude da migração do homem para a cidade e da invasão de elementos urbanos nas regiões rurais. Contribuem para isso, sem dúvida, os meios de comunicação. Os dançadores estão inseridos  num mundo em constante transformação de  cujas mudanças eles não querem participar e,por outro lado, não têm como evitar.
A Folia de Reis, se deslocada de seu contexto de origem, pode tomar um outro sentido. Os foliões estão ligados diretamente com sua cultura tradicional, mas muitas vezes são trazidos pelos meios de  comunicação e pela própria população e de maneira totalmente diferentes, contrárias a uma série de valores que lhes são próprios.

A pesquisa local nos permitiu conhecer um pouco da realidade, além de dados importantes no que se refere a tradição da caminhada seguida por alguns personagens que contextualizam a história dessas folias no município de São Fidélis, e que vêm ao longo dos tempos sobrevivendo,mesmo sabendo-se que o fim é breve. São elas:

5.2.2. Grupo Folclórico Folia de Reis Estrela de Belém do Norte

Sob o comando de Antônio Ferreira Sobrinho, 79 anos, casado, pai de oito filhos, sendo quatro mulheres e quatro homens, dos quais apenas dois são integrantes da folia. Antônio disse que desde menino acompanha e participa de folia. Aos 16 anos de idade, resolveu fundar uma  mesmo  sendo desafiado pelo pai, que achava que não teria como assumir tal responsabilidade, por causa da pouca idade que tinha. Daí vem mantendo a tradição que se iniciou com os tios e avós na localidade de “Barro Branco” – zona rural do município.

Com o passar dos tempos, Antônio constituiu família e acabou saindo da roça e indo morar na cidade no bairro Ipuca. De acordo com o registro de documentos e títulos que possui, a Folia Estrela de Belém do Norte é considerada, atualmente, a folia mais antiga do município. É tida como a história viva e, ao mesmo tempo, faz com que o município se destaque em se tratando desta raiz da manifestação da cultura popular pelo tempo que ela sobrevive.

Composta por 22 foliões e mais o palhaço Ventania, a folia tem o uniforme atual  nas  cores verde maçã e rosa. Assim é a Folia que, por onde passa,  é muito respeitada. Sua representatividade no Estado do Rio de Janeiro é tão grande e forte que, em dezembro de 1999, foi convidada para gravar uma apresentação para o programa “Brasil Legal”, da Rede Globo”, apresentado por Regina Casé.

Mas a gravação externa que seria realizada não ocorreu por conta da de uma forte chuva que caiu na cidade do Rio de Janeiro, impedindo, assim, que os foliões sequer pudessem sair do ônibus. Mesmo assim, Antônio disse que ficou feliz pelo convite e a recepção que teve da emissora.

Com um verdadeiro arquivo de certificados por participar de apresentações em todo o Estado, além de mais de 60 troféus conquistados em concursos, festivais e encontros de Folias de Reis, ainda não foi objeto de pesquisa na região, mas estima-se que seja uma das folias com o maior número de troféus conquistados.
Neste ano, apesar de Antônio se encontrar com a saúde bastante debilitada, ainda assim mantém suas atividades no grupo, com o apoio e a participação dos filhos. Atualmente, o mais velho, Cemilson Franco Ferreira, que é o mestre da folia.

5.2.3. Grupo Folclórico Folia de Reis Estrela da Guia de Pureza

O grupo tem o comando do mestre Fidélis Gomes Peres, 64, casado, pai de sete filhos, residente no 3º distrito do município de São Fidélis. Dos sete filhos, apenas um é integrante da folia, herdando, assim, o gosto e a tradição. Seu nome é Paulo Sérgio Barreto Peres, 35, e participa da folia desde os 8 anos de idade e, atualmente, representa um dos palhaços da folia,  cujos nomes são: “Barra Mansa” e “Borboleta”. Ao todo são 20 foliões, o uniforme atual tem as cores azul-marinho e branco.
Segundo Fidélis, a tradição vem sendo mantida desde quando morava na zona rural e, vendo os pais  e avós envolvidos  com as folias de antigamente, acabou pegando gosto e  passou a  acompanhar e tocar em outras folias como, por exemplo, na Estrela de Belém do Norte. Daí resolveu fundar a sua, a qual está há 30 anos, sendo mestre. Sobre o futuro das folias ele assinala:

Infelizmente, as folias vão morrer porque, hoje é muito difícil (numa família) os filhos se interessarem por essa tradição. Eles não seguem os mesmos passos da gente e além do mais existem outras coisas nesse mundo que chamam mais a atenção dessa juventude, além da televisão e outras coisas mais… Lamento não só pela falta de apoio, das diferenças e dificuldades que aí se vive, mas, principalmente, a falta de respeito da maioria das pessoas e jovens pelas coisas sagradas. 1

5.2.4. Grupo Folclórico Estrela do Oriente de São Vicente de Paula.

Sob o comando de Manoel Barcelos, 77, casado, residente no bairro de São Vicente de Paulo, pai de quatro filhos, mas nenhum deles participa da folia, porque “não têm dom ou inclinação para fazer parte da tradição”. A folia foi fundada em 1957 pelo próprio Manoel, que residia na localidade de Valão dos Milagres, interior do município de São Fidélis.
Ele conta que desde os 10 anos gostava de ver o tio tocar viola numa folia que existia lá na roça. E assim nasceu o gosto pela tradição. Aos 20 anos de idade, já casado, resolveu fundar a folia Estrela do Oriente, da qual continua exercendo até hoje o papel de mestre.

Segundo Manoel, sua devoção a “Santo Reis” é tão grande que houve uma época em que sua esposa estava desenganada pelos médicos e, imediatamente, sob o impacto do desespero, ajoelhou-se aos pés da bandeira da folia e pediu ao santo que intercedesse a Deus pela saúde da esposa. Então veio a recuperação e, de acordo com sua promessa, prometeu jamais deixar de arcar com todas as despesas da folia enquanto viver, apesar de considerar que falta apoio por parte do poder público às manifestações da cultura popular.

Daí, com a aposentadoria que recebe do INSS de apenas um salário mínimo, além do que planta e colhe na sua propriedade na zona rural, faz questão de arcar com todas as despesas da folia, uma vez que a maioria dos seus foliões é pobre. E assim compra tecidos, instrumentos e calçados para todos eles.
A folia compõe-se de 22 foliões com o palhaço Azulão, e o uniforme atual nas cores rosa com detalhes em amarelo.

5.1.5. Grupo Folclórico Estrela da Guia do Montese

A folia foi fundada no ano de 1950, por Aristides Filho, assim que ele chegou à cidade de São Fidélis, ao sair do interior do Estado de Minas Gerais. Atualmente, a folia encontra-se sob o comando de Ademilson Barcelos Filho, que passou a assumir os trabalhos desde quando o pai faleceu, no ano de 2004.

Apesar de já fazer parte dela desde menino e cuja função era a de palhaço do grupo, mesmo assim Ademilson diz que não sabe se continuará a manter a tradição, porque além das dificuldades há a falta de apoio por parte da Secretaria de Cultura do município. Após o arremate ocorrido no dia 29 de setembro de 2007, alegou que seria o último ano que a folia iria sair. As cores das fardas são rosa-azul e branco, compõe-se de 18 foliões com o palhaço.

Segundo Ademilson: “É com imensa tristeza que vejo essa tradição morrendo aos poucos, por causa de uma série de fatores, entre as quais, a falta de incentivo da nossa Secretaria de Cultura, que não se preocupa em fazer no mínimo, o que algumas prefeituras estão fazendo, como, por exemplo, criar um núcleo só para tratar do folclore, conceder apoio em diversas situações, já que isso significa preservar a nossa identidade, as tradições de raízes, mesmo que as pessoas vão envelhecendo e morrendo, mas que haja estímulo por parte daqueles que têm o dom, fé e gosto para continuar tocando a coisa.

O folião faz sua reclamação, considerando que caberia à municipalidade o dever de manter as tradições culturais do município, uma vez que elas são a marca da identidade comunitária. Diria que fortalecem os rasgos da cidadania.

Na maioria das vezes, as folias de São Fidélis recebem mais apoio de outros municípios para participar de festivais ou encontros do que da nossa própria cidade. É vergonhoso ter que dizer isso. A única coisa que sabe oferecer para gente é o transporte e olhe lá. Apesar de o município ter ficado quinze anos sem promover os famosos encontros, o atual prefeito da cidade, David Loureiro, ainda foi o que mais tentou disponibilizar alguma coisinha para que esses encontros voltassem acontecer, ainda que timidamente, a partir do ano de 2002. Mesmo assim, vai ser muito difícil, continuar. 2

5.2. Características da Folia

Embora o amparo e riqueza de trajes também sejam levados em conta, a sutil diferenciação regional entre reis e folias de reis decorre, basicamente, do número de participantes, mais do qualquer outra característica.
Depois dessa, a principal diferença está em que os reis, como sinônimo de reisado, se desenvolvem exclusivamente em ambiente fechado, dentro de casa, enquanto as folias de reis, freqüentemente, ou quase sempre, vão cantando pelo caminho, embora sejam representadas, quando é o caso, também portas adentro. Muito raramente dá-se uma apresentação ao ar livre, em coreto, praça, quadra de esporte ou num palco mais improvisado.

Nos grupos que fazem a caminhada e as visitas, cada folião tem seu lugar e ocupa uma hierarquia em cujo topo aparece o capitão, em certos grupos aparece o palhaço, bem como o alferes, os cantores, o porta-bandeira e demais componentes que, segundo o costume, totalizam cerca de 12 a 15 componentes em cada grupo.
Autodenominando-se “foliões”, esses grupos, organizados por devoção ou pagamento de promessas, fazem sua jornada ou giro da noite do dia 24 de dezembro ao dia 20 de janeiro, por influência de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. Caminham no ritmo das Marchas de Rua, cantam defronte ao dono da casa, cantam Jornadas dos Reis Magos ou passagens da vida de Cristo, finalizando com o agradecimento e as despedidas. Esses grupos, em sua maioria, são integrados por homens adultos e crianças, cabendo às senhoras os cargos mais importantes na organização.
O Capitão ou Mestre: principal elemento do grupo tem  autoridade total. É responsável pelo desempenho dos demais e, também, encarregado das necessidades materiais da corporação: uniforme, instrumental, bandeira. É ele ainda que puxa os cantos, entoando em primeira ou segunda voz.
O Contramestre: função imediatamente inferior à do mestre, encarregado de recolher os donativos e completar a cantoria, harmonizando uma terça acima ou abaixo da voz do mestre. É quem o substitui nas faltas eventuais.
O Alferes, Bandeireiro ou Bandeirista: tem como função carregar a bandeira. É ele, também, o responsável pela organização do grupo. Distribuem os uniformes, as toalhas e verifica todos os instrumentos. Ele também deve informar ao primeiro capitão sobre o que o grupo recebeu de oferenda, para que este possa cantar em agradecimento ao anfitrião.
O palhaço é uma figura enigmática, alegre e não aparece no Livro Sagrado. Personagem contraditório, o palhaço é o mais rejeitado pela folia. Para alguns, ele representa Herodes, rei que queria matar o menino Jesus. Para outros, ele representa homens que se vestiam de palhaços para atrapalhar ou despistar o rei e seus soldados na perseguição ao Menino Jesus.
Além desses mais comuns, costumam aparecer outros figurantes, cujo desempenho é dado às crianças – os Três Reis do Oriente (meninos), Pastorinhas (meninas), Anjo (meninas), Pastores (meninos).

5.3.1. Cantoria

As cantorias são à base dos rituais. Todos os foliões, exceto o alferes e o palhaço, desempenham funções musicais. Na música há regras que definem a atuação dos foliões. Em geral são sete as vozes que entoam os cânticos. O coro segue à risca a toada de preferência do capitão, que começa tirando os versos a partir de um repertório que muitas vezes pode ser improvisado. Como maestro, é ele quem comanda o termo e puxa a cantoria.

Depois que ele termina alguns versos, começam as respostas, repetição dos versos cantados em entradas sucessivas. A segunda e a terceira voz realizam a primeira resposta integral da cantoria, geralmente fazendo a terceira nota  no tom inicial do capitão. Essa primeira resposta é conhecida como contralto.
As quarta e quinta vozes entram na metade dos versos, cantando uma oitava acima. No final entra a sexta resposta, que é um grito muito fino, entoando um arrastado de lamento. As melodias e as letras das músicas são tradicionais, imutáveis, mas os capitães inventam  outras, geralmente improvisadas na oportunidade de pedir uma esmola ou fazer um agradecimento. Música, letra e toada, muda de grupo para grupo. Os ritmos também são diferentes.
Na região metropolitana, isto é, nas circunvizinhanças da cidade do Rio de Janeiro, encontramos a presença feminina ocupando funções que vão desde as específicas – Pastorinhas – às mais simples – Bandeiristas, Percussionista – até às de comando – Mestra, Responsável.
E ainda nessa mesma localização observa-se o início de sincretismo com as manifestações religiosas de forte cunho afro: Mestre ou Responsáveis que são donos de terreiros de Umbanda, Palhaços que trazem guias de seus orixás, visita de bandeira, durante o giro, o gongá (altar nos cultos umbandistas). Tudo ainda feito por devoção ou pagamento de promessa, e como tal devendo ser cumprido por sete anos ou múltiplos de sete.
Para fazer parte de um grupo de Folia de Reis, o folião, além de cantar, aprender a tocar um instrumento, tem obrigações e deveres propostos pelo Capitão ou Mestre. A submissão a essas ordens é condição primeira para sua admissão à jornada. Os grupos mais organizados preparam  um verdadeiro código de ética, denominado Estatuto; que é lido pelo Mestre diante do candidato e na presença dos demais foliões, em cerimônia  simples e íntima. O documento que se segue foi recolhido em Duque de Caxias e pertence à Jornada de Reis Estrela do Oriente, cujo Mestre Joaquim Nunes é o próprio autor.

5.3.2. Movimento na Região

Em virtude da ausência de registros que pudessem/possam tratar, com exclusividade, a história e a instalação das Folias de Reis da cidade de São Fidélis, o que, por si só justifica este trabalho, não se tem dúvidas em ressaltar que, por conseqüência da falta de estratégias políticas para com o patrimônio imaterial histórico e cultural, tanto o poder público, a sociedade e a própria imprensa foram/são cúmplices na morte prematura das Folias de Reis do município, além de todos os demais grupos de manifestações da cultura popular que por lá existiram.

Entende-se, assim, que todas as construções oriundas do “imaginário coletivo”, jamais foram alvo de interesse pela imprensa, mesmo sendo esta do interior, para com as questões culturais ligadas ao popular.
Entretanto, nos últimos seis anos, algumas cidades da região, vêm tentando criar estratégias para a valorização desses grupos folclóricos, além de resgatar os antigos encontros de folias, que, até então, eram muito famosos, principalmente na cidade de São Fidélis, onde acontecia um dos festivais e encontros de folias mais badalados do interior do Estado do Rio de Janeiro no século passado.

Apesar da extinção desses grupos na referida cidade que (repete-se) já teve quarenta folias e, hoje, só restam quatro e, mesmo assim, as que estão sobrevivendo continuam participando dos movimentos comemorativos no próprio município cujos encontros foram resgatados a partir de 2003, porém, de forma tímida, e em outras cidades, como:Cardoso Moreira, Cambuci, Duas Barras, Macuco, Miracema, entre outras que investem um pouco mais nos seus grupos de folias de Reis, e que têm dado uma demonstração, além da resistência, fé e peregrinação no tempo, no espaço e na atualidade, significando, assim, bom começo para fazer com que a sobrevivência dessa manifestação dure por mais tempo.

Dessa forma, a interação entre os grupos folclóricos de folias da região tem propiciado um olhar com interesse, por parte do poder público, no que se refere à concessão de determinados tipos de apoios aos grupos, tendo em vista as possibilidades de se criar estratégias para a valorização do patrimônio imaterial, cultural e histórico.

A prova disso é o exemplo que se tem na cidade de Muqui, como narramos anteriormente. Ainda assim, a cidade conta com um núcleo agregado à Secretaria Municipal de Cultura para cuidar somente da cultura popular, além do acervo histórico que é tombado. E por conta de todo esse movimento que envolve as Folias de Reis e demais grupos de manifestações de cultura popular se abrem uma “agenda positiva” para o município em relação ao turismo sustentável, visto que esses encontros são partes de um calendário das atividades culturais do município, envolvendo assim, o desenvolvimento do turismo histórico e cultural.

Daí a importância de um suporte de apoio e incentivo com infra-estrutura como sendo vitais, não só para uma sobrevivência maior desses grupos, bem como valorizar os traços da identidade cultural de um povo. Logo, a construção de nossa narrativa em relação à pesquisa não é pretender fazer um discurso de lamentações em torno da extinção das folias, mas sim retratar a importância do papel do homem como fazedor de culturas em toda uma dinâmica sociológica na qual cabe aos comunicadores que têm um olhar e discurso diferentes no sentido de desmistificar a forma de tratamento e visão preconceituosas que as classes dominantes e a própria imprensa sempre tiveram em relação as construções das chamadas “classes subalternas”, alijadas por causa das diferenças culturais que permeiam nessa ruptura do contexto das relações sociais, políticas, econômicas e culturais, suscitando, assim, a exclusão.

Por isso, tão importante e oportuno torna-se esse movimento regional para que a partir de agora, seja possível ter registros e documentários para uma compreensão maior e análises sobre as manifestações da cultura popular e das raízes em um país de múltiplas culturas, como expressa Maria Cristina Gobbi:

Nossa cultura é resultado de um Brasil de fusões e de intercâmbios, de culturas antigas, como as indígenas, as africanas, migrantes (japonesas, italianas, alemã, etc.) e da própria imigração de norte a sul, de leste a oeste desse país de dimensões continentais. Esse enriquecimento de signos e significações permeado pelos meios de comunicação de massa é tradução de uma história específica, um ritmo próprio,com peculiaridades mostradas nos tempos históricos e subjetivos.A complexidade de ritmos, de formas, de cores,de valores e de manifestações configura o patrimônio de uma sociedade que,recheado de importância peculiar,garante a preservação do passado e permite a construção do futuro. As manifestações culturais de um povo possibilitam demonstrar as composições globais, participativa e interativa nos múltiplos cenários.

Fonte: O Discurso das Mídias e a Cultura Popular – A sobrevivência das folias de reis de São Fidélis. Autoria: Nelzimar Lacerda e Stéphano de Freitas
Dez/ 2007





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